Considerações sobre renúncia

A história da humanidade é recheada de acontecimentos importantes, que deixam sempre à mostra a ambição humana. Fatos reais e fictícios são sempre lembrados para exaltar, muitas vezes, exemplos de ambição desmedida, como é o caso de uma mulher de presidente de país asiático, que chegou a possuir mais de mil pares de calçado, ou da mulher do pescador, que tanto insistiu em possuir um palácio, que terminou voltando para o casebre.

Se, porém, a ambição é notória, casos há que denotam, ao contrário, em número bem menor a ocorrência do despojamento, da total ausência de ambição, não se tratado, no caso aquelas pessoas que não tiveram, ou não puderam, ter alguma coisa, mas, exatamente, aquelas que, podendo ter ou já possuindo bens ou poder, abrem mão de seu direito a eles.

E é aí que aparece o que denominamos Renúncia. Esse verbete, do ponto de vista genérico, aparece nos dicionários com o sentido de: “recusa, rejeição”, normalmente em se tratando de “um direito, um poder”.

No sentido jurídico, isto é, dentro daquilo que vem mencionado pela legislação, a renúncia é o abandono de um direito, por seu titular, sem o transferir a terceiro.

Exemplos de renúncia, nós vamos encontrar, tanto na área penal, como na civil: o Código Penal brasileiro reconhece, por exemplo, a renúncia ao direito de queixa, que pode ser expressa, ou tácita, neste caso quando o direito não é exercido no prazo previsto pela lei; na área civil existe a renúncia ao direito do herdeiro, quando ele não quer receber a herança que lhe cabe.

Os exemplos acima citados, quando ocorrem, não têm conseqüências maiores nem grande repercussão, já que se tratam de coisas de interesse particular, valendo acrescentar que uma característica importante da renúncia é o fato de ser um ato jurídico unilateral, quer dizer, um ato que se completa e se aperfeiçoa com a manifestação de uma só parte, o que não acontece, de um modo geral, com os atos jurídicos, como, por exemplo, a compra e venda.

A importância da renúncia aumenta muito, entretanto, quando ela aparece na área política, porque aí teremos conseqüências bem mais graves e desdobramentos múltiplos. Estamos tratando, agora, da renúncia ao mandato, manifestada por aqueles que, eleitos pelo voto popular, abrem mão do direito ao exercício do cargo antes do fim do prazo, seja no poder legislativo, seja no executivo.

Em se tratando, agora, da renúncia ao mandato político, cabe indagar se ela é um direito, ou seja, se o encargo assumido por força da eleição vem a ser algo de que o eleito possa dispor.

São vários os motivos que podem levar o homem público a renunciar ao seu mandato. O primeiro e mais famoso caso de renúncia no Brasil foi, sem dúvida, a manifestada pelo então presidente Jânio Quadros, em agosto de 1961, oportunidade em que mencionou não poder se sujeitar a forças ocultas que tentavam subjugá-lo.

Mais recentemente tem acontecido outros casos, já agora marcados pela circunstância de políticos que, procurando evitar a cassação de seus mandatos e possíveis impedimentos em eleições futuras, despojam-se deles com a renúncia.

É sabido que, por estes dias, ocorreu em São Bernardo do Campo a renúncia de seu Prefeito Municipal, justificada por ele em declarações à imprensa, onde alegou fragilidade em seu estado de saúde. Vale salientar que não se tem registro de ocorrência anterior de fato semelhante na cidade.

Por derradeiro, é justo que se mencione que a renúncia de pessoa eleita para cargo político, é bem diferente daquela manifestada por mandatário de cargo vitalício, por exemplo, o rei que abdica do trono, ou mesmo do Papa, quando se sente desprovido das condições necessárias ao exercício de suas importantes e dignas funções.

A Constituição Federal, em seu Título IV, tratando da Organização dos Poderes da República, utiliza a palavra “renúncia”, em seu art. 55. § 4º, apenas para mencionar que ela terá os seus efeitos suspensos se o parlamentar pretendente a ela estiver submetido a processo que possa levar à cassação de seu mandato, o que permite deduzir que a renúncia, fora desse caso, é permitida, isto é, produz efeito.

De qualquer modo, e por qualquer que seja o motivo da renúncia, esta é com certeza uma das decisões mais difíceis para um homem público, pois, além da frustração pessoal de não poder findar a missão delegada a ele por seu povo, ainda fica na dependência futura e ansiosa de um julgamento justo, que depois de escrito, será imortalizado pela história às futuras gerações.

Tunico Vieira
18/03/2003