Paixões sem rosto
É quase sempre com recordações nostálgicas e saudosistas que nos referimos ao passado. As frases costumam iniciar-se mais ou menos assim: “Ah, na época do fulano as coisas eram diferentes”, ou “Você precisava ter visto o ciclano jogar. Aquilo, sim, era espetáculo”. Estes comentários embalam qualquer conversa, seja no botequim com os amigos, seja em uma reunião de negócios.
Os exemplos variam, alternam-se, porém uma coisa é certa. Os temas são sempre os mesmos: futebol e política.
Para alguns estas duas paixões brasileiras infelizmente, não tem mais o mesmo glamour e muito menos a mesma importância de outrora.
Por que será? Um amigo me disse que é porque, nos dias de hoje, são paixões sem rosto. Isso mesmo: paixões sem rosto e, principalmente, sem coração.
Tornando este nosso bate-papo mais sério, todavia sem perder a informalidade, podemos afirmar que o futebol e a política, juntamente com seus protagonistas, sempre foram a mola propulsora do nosso país, pois neles se encarnaram nossos sonhos, nossos projetos de crescimento sustentável, nosso patriotismo, enfim, nosso orgulho de ser brasileiro.
Foi na figura de ícones como Pelé e Garrincha no futebol, e também com Getúlio, Juscelino na política, que mais intensamente vivenciamos as paixões do povo brasileiro. Época de “paixões com rosto”, corpo e, principalmente, alma.
Se voltarmos à época de atuação de cada um destes brasileiros, que imortalizaram sua passagem neste planeta, incorporando e captando de maneira inigualável os sentimentos, sonhos e as vontades do nosso povo, veremos que possuíam muito em comum.
Independentes da classe social a que pertenciam, foram brasileiros humildes, que jamais negaram sua origem, sua raça. Pessoas que em sua área de atuação expunham suas características, não tinham receio de emitir sua opinião.
Brasileiros jogadores e brasileiros estadistas que formaram raízes em seus clubes e em seus partidos, pessoas que deram a oportunidade a seus admiradores e adversários de conhecê-los, e ainda conquistaram a confiança do povo. Não foram oportunistas de plantão, que por alguns tostões a mais mudavam de clube ou de partido. Acreditavam e conseguiram transmitir a crença de que seus seguidores e admiradores, faziam parte da sua vida e juntamente com seus ídolos estavam ajudando-os a escrever a história.
Essas personalidades imortalizadas construíram com seus admiradores uma relação de cumplicidade, confiança e lealdade sem precedentes. Esses ídolos possuíam o dom de dividir tanto as alegrias quanto as tristezas com seu povo, mesmo que isso custasse a sua derrota, seja no gramado, seja nas urnas, pois ganhar ou perder fazia parte do jogo. Mas abandonar seus princípios, isso era imperdoável. Faziam seja da vitória nos campos ou nas urnas, uma vitória de todos, uma vitória coletiva.
Por isso, caros leitores e leitoras, resgatar a história e relembrar exemplos passados, nem sempre é saudosismo ou retrocesso. Temos que ter a humildade de aceitar e muitas vezes rever algumas de nossas atitudes, se quisermos realmente continuar a produzir líderes de verdade.
Um país que não cultua e esquece seus ídolos é um país sem referência, sem capacidade de sonhar, portanto sem esperança de formar novos bons exemplos.
O futebol nos dá alegria, diversão, e até nos desperta nosso patriotismo, muitas vezes adormecido.
A política serve para gerenciar e guiar a coexistência justa e, portanto, pacífica de uma sociedade que deve buscar insaciavelmente o bem comum. Por isso, se existe algo que necessita de ajuste no momento, não são as instituições – sejam elas políticas ou esportivas – e sim as pessoas que delas fazem parte. Devemos, sim, é nos preocupar em esculpir e lapidar os futuros rostos das nossas paixões. Tendo, porque não, como estímulo a feliz frase publicitária, onde se afirma que: “O melhor do Brasil é o brasileiro.”
Tunico Vieira
30/11/2005