Senador Vitalício

Os jornais noticiaram, poucas semanas atrás, o surgimento de comentários entre os políticos, na capital federal, a respeito da criação do cargo de senador vitalício, que teria como ocupante a pessoa que houvesse sido presidente da República.

Entre outros pormenores que constaram da apresentação da novidade, dizia-se também que, embora com esse título, tal pessoa não teria direito a voto no parlamento. Para que se entenda melhor o conjunto de implicações que seriam decorrentes de tal novidade, cabe considerar:

1º – Historicamente, “Senado é uma das duas casas do poder legislativo nos países que adotam o sistema bicameral de representação parlamentar” (Enc. Barsa). “Nos sistemas bicamerais de estados federados, como o Brasil, os deputados federais são representantes do povo, e os senadores representam as unidades da federação” (‘idem’).

Temos então, aí, a primeira dúvida a ser esclarecida: que unidade da federação (Estado-membro ou Distrito Federal) estará representando o senador vitalício?

2º – O art. 46, da Constituição Federal, estabelece que “O Senado Federal compõem-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário”, e o seu parágrafo primeiro complementa que “cada Estado e o Distrito Federal elegerão três senadores com mandato de oito anos.”

Como se vê, não existe, na Constituição, permissão para cargos vitalícios no poder legislativo, o que é próprio do regime republicano, ao contrário do regime monárquico.

Para que tivéssemos o cargo de senador vitalício seria necessária alteração na Constituição, por emenda prevista por ela própria, o que, nos parece, não teria justificativa alguma, por absoluta ausência de razões e motivos.

Pode ser que alguém discorde do que se acabou de afirmar, citando o exemplo do que ocorreu no Chile, que hoje tem como senador vitalício o ex-presidente Augusto Pinochet; claro que, entretanto, esse exemplo não vale, uma vez que se tratou de manobra isolada e de autoria única e exclusiva do próprio interessado, efetuada em regime ditatorial.

3º – Na verdade, a inovação aparece mais como a criação de uma honraria a ser feita àqueles que já ocuparam o mais alto cargo de mandatário dos destinos da nação, e, exercendo as novas funções não se veriam compelidos a retornar à situação de cidadão comum, pois mesmo não tendo voto no poder legislativo, e, não representando nenhum Estado-Membro, teriam garantida a sobrevivência com vencimentos à altura de seu renome.

4º – Cabe considerar, finalmente, que, ainda que se tivesse boa vontade de aceitar a novidade, apesar de todos os inconvenientes e desnecessidades, certamente ela não poderia beneficiar o atual ocupante da presidência, nem para os anteriores, mas, passaria a vigorar, por uma questão de lógica jurídica, para o próximo sucessor.

Acontece, porém, segundo as mesmas notícias citadas no início destas linhas, que a novidade surgiu exatamente para alcançar o atual presidente, o qual, de acordo com informações dos periódicos, talvez com uma ponta de maldade, teria sugerido, ele próprio, a seus correligionários e amigos, que intercedessem em seu favor nesse sentido, o que não poderia, evidentemente, merecer crédito gratuito.

Tunico Vieira
30/01/2002