São Bernardo já foi a capital do cinema?

Fundada em 1949 por dois italianos, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, sediada em São Bernardo do Campo, contribuiu decisivamente para a modernização do cinema nacional e o registro da arte, cultura e do modo de vida brasileiro.

A companhia foi a segunda empreitada dos amigos Franco Zampari e Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccillo, recentemente retratado na minissérie da Rede Globo Um Só Coração, e interpretado pelo ator Edson Celulari.

O sucesso do TBC – Teatro Brasileiro de Comédia – criado pela dupla incentivou os imigrantes a se enveredar pelo mundo das telas. Por meio da doação de seu terreno na cidade, no qual, até poucos anos antes, criava galinhas, Ciccillo deu a partida para a construção da tão sonhada indústria cinematográfica projetada por Zampari.

A Vera Cruz não foi responsável apenas pelo boom do cinema no país, mas também pelo desenvolvimento da publicidade, fotografia, sonorização, cenografia e montagem. Sem contar a mão-de-obra, uma geração de técnicos que se especializou e profissionalizou a produção das películas.

Mais tarde, o avanço técnico se expandiu para a telinha, com o surgimento da televisão, e para ela migraram atores de primeira grandeza, como Paulo Autran, Renato consorte, Tonia Carrero e Anselmo Duarte, entre tantos outros.

Mas por falta de experiência nesta área e tino para administração, Zampari foi empobrecendo ao querer bancar todas as aquisições da companhia, e endividando a empresa a cada filme rodado. O grande déficit estava na distribuição dos filmes. A crise fez com que o italiano abandonasse seu projeto, que mais tarde passou para as mãos dos irmãos cineastas Walter Hugo e Willian Khouri. A companhia, então, produziu até meados dos anos 70.

Após um período de funcionamento apenas como distribuidora de filmes, a Vera Cruz voltou, no final dos anos 90, a receber os olhares de pessoas interessadas no crescimento de nossa produção cultural. Ao mesmo tempo em que iniciou-se um trabalho para a recuperação do acervo, algumas áreas do prédio da companhia começaram a ser reutilizadas para filmagens, como em Carandiru, de Hector Babenco, lançado no ano passado. Quase todas as cenas internas foram feitas no local.

A reativação dos estúdios é um motor para a economia da cidade. No início deste ano, foi divulgado pela prefeitura, de maneira precipitada e com grande estardalhaço a assinatura de um contrato de locação do espaço para uma empresa sediada em São Bernardo. Ela representava duas produtoras norte-americanas, cujo projeto era rodar por aqui nove filmes em dois anos. O primeiro seria Genesis Code, dirigido por Hugh Hudson e estrelado por Andy Garcia.

Além de aquecer a economia, as filmagens deveriam gerar novos postos de trabalho. Todavia até o momento nada aconteceu.

Mas muita coisa ainda pode ser feita, a Vera Cruz possui um enorme potencial para abrigar um número maior de produções nacionais. Como no início dos anos 50, a companhia pode voltar a ser um pólo da indústria cinematográfica nacional, gerando mais empregos, mais tecnologia e, principalmente, enriquecendo a cultura do país. Estamos atentos e também torcendo para que pessoas competentes, realmente comprometidas com este projeto e com a nossa cidade reinaugurem uma nova fase dos Estúdios Vera Cruz.

De São Bernardo podem sair novos Paulos e Tonias, e nossa cidade pode vir a ser – por que não? – uma espécie de Hollywood para o cinema brasileiro. A Vera Cruz não pode ser relegada a um plano secundário: ela é o orgulho de nossa cidade e, como tal, deve receber mais incentivos e investimentos.

Tunico Vieira
02/07/2004