A lei é para punir bandidos

Uma das grandes marcas dos regimes absolutistas, que passaram a perder a força por volta do último quarto do século XVIII, foi, sem dúvida, a conduta dos monarcas de então, que mandavam prender os seus inimigos ou desafetos, por tempo indeterminado, ou os condenavam à morte, fosse com processos fraudulentos, ou mesmo sem processo algum.

A evolução do Estado de Direito se dirigiu no sentido de dar garantias, de vida e liberdade, a todas as pessoas, devendo as autoridades governamentais, no caso de ter contra elas, alguma acusação de atividade lícita, de respeitar as normas relativas ao processo de julgamento, sem o que nenhuma restrição, à vida ou à liberdade, poderia ser feita.

Daí surgiram, e hoje se encontram cristalizadas, nos países verdadeiramente democráticos, as importantes figuras jurídicas conhecidas como acusação formal e direito de defesa.

A primeira se caracteriza pela imputação, clara e definida, a alguém, pela prática de ato cuja punição está prevista na lei.

Não vale o caso, como exemplo, da fábula do lobo e do cordeiro, quando aquele dizia: “se não foi você que sujou minha água hoje, você o fez ontem, e, se não foi você, foi seu irmão, ou foi seu pai, e, por isso eu vou devorá-lo”.

O segundo, é o sagrado direito que tem o acusado, não só de saber, expressa e claramente, do teor da acusação, e, mais do que isso, de dever ser representado, durante todo o processado, por um especialista em legislação, ou seja, um advogado.

Na verdade, ninguém, mas, ninguém mesmo, nem que seja o pior dos facínoras, jamais poderá ficar como réu em um processo sem que lhe seja dada a oportunidade de se defender.

E isso ocorre por dois motivos muito simples: primeiro, exatamente porque deve ser respeitado o princípio da igualdade de todos perante a lei, e segundo porque, sendo o réu a pessoa que vai sofrer o ônus da sentença que poderá impor a sua condenação, ele não deverá se queixar de nada, relativamente ao processo que sofreu, no caso de ser condenado.

Muitas vezes acontece de algumas pessoas tecerem comentários a respeito de crimes cujos autores “não têm defesa”, tal a gravidade e tal a certeza da autoria, acrescentando comentários como “nenhum advogado deveria defender esse réu”!

Trata-se de um grave equívoco jurídico, cometido, até mesmo, às vezes, por pessoas ligadas, de certo modo, a alguma atividade no ramo do Direito.

Esse erro deve ser corrigido com o seguinte raciocínio:

1º – O saudoso mestre e eminente penalista Manoel Pedro Pimentel comentou, seguidas vezes que o “Código de Processo Penal”, não foi instituído para atender sacerdotes e bispos, mas, para punir bandidos.

2º – Exatamente por isso, as suas regras devem ser obedecidas, nelas incluído, corretamente, o direito de defesa.

3º – Não se pode dizer, de modo algum e nunca, que o indivíduo deve ser tido ou dito como culpado, antes da sentença judicial.

4º – Iniciado o processo, o que temos é tão somente uma acusação, que será confirmada ou não, com a decisão a ser nele proferida.

5º – Se porventura, em algum caso, por qualquer motivo, vier a ser dispensado o devido processo, ou algum de seus passos, ou for negligenciado, por entendimento antecipado, o direito de defesa, o que passamos a ter é , exatamente, um processo nulo, e como tal, inexistente.

O que deve ser entendido é que, em princípio, ninguém pode ser considerado culpado de nada, se não houver caso julgado, o que torna bem claro o porque de se chamar uma efetiva garantia o direito ao processo, que vale para todos, pois preserva os que são inocentes, afinal, e leva a uma punição justa os que são condenados.

Tunico Vieira
14/06/2002